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De onde vem o índigo que garante o azul do nosso jeans?

Ao olhar um par de jeans, você dificilmente imagina a história que há por trás daquela simples e funcional peça de roupa. Um clássico inegável, com referências que vão de Marlon Brando a Britney Spears: mas você saberia dizer como aquele item pop era produzido antes da revolução industrial?

De onde vem o tom de azul incrível, cor de muitas gerações e que está se tornando o uniforme da turma hipermoderna que prega redução e desconstrução?!

O extrato natural de índigo vegetal é obtido a partir da fermentação das folhas de várias espécies de anileiras

Na natureza, encontramos mais de 200 tipos deste vegetal (todos do mesmo gênero, o Indigofera ssp), que, após processados, dão origem a um corante natural em tom profundo de azul. A maioria destas plantas está enraizada no continente africano, no sul da Ásia, em toda a América tropical, ao longo do continente europeu e por dentro da Austrália.

O jeans, como nós conhecemos, foi inventado, em 1792, na cidade francesa de Nimes — saiba que o hype foi tão forte que a matéria-prima logo foi apelidada de “tecido de Nimes”. Tempo vai, tempo vem, a expressão foi reduzida e passou a ser identificada apenas como “denim”.

Índigo tour

Registros históricos nos levam à Índia, onde foram encontrados as mais antigas experiências entre anil e tecido. Data de 4.000 a.C. as primeiras escrituras confeccionadas com índigo vegetal pelos brâmanes, antiga casta sacerdotal hinduista. Civilizações dos quatro cantos do mundo aderiram à técnica de colorir tecidos com azul: egípcios, mesopotâmicos, africanos, gregos, romanos, britânicos, andinos, peruanos e iranianos experimentaram a tecnologia artesanal.

No Egito Antigo, o pigmento também era utilizado como tinta para colorir murais e pasta para fixar a bandagem de múmias. Foi lá, inclusive, que foi encontrada uma tabuleta do século VII a.C. que documenta a mais remota receita para tingir lã.

Recentemente, a revista Science afirmou que, muito antes dos egípcios usarem o índigo como pasta de embalsamamento, o extrato azulado já dava as caras em uma civilização 1.500 anos mais antiga. Remonta a 6.000 anos a.C. os registros do primeiro índigo do mundo, descoberto em 2016 no sítio arqueológico de Huaca Prieta, no Peru.

“Em Roma, o anil era utilizado na decoração de afrescos, para fins medicinais e cosméticos. Os europeus consideravam o artigo raro, algo de luxo.”

Mas foi só no final do século XV, com a descoberta da rota marítima para as Índias, que passou-se a se estabelecer uma relação comercial entre países orientais e europeus. A importação do anil foi para as alturas e os portos de Portugal, dos Países Baixos e da Inglaterra eram a porta de entrada do extrato na Europa.

Durante o colonialismo moderno, Índia e a América Central foram responsáveis pela maior produção de índigo vegetal do mundo

Já a Espanha, corria por fora, importando a tintura de suas colônias nas Américas do Sul e Central. Com mão de obra escrava, as plantações foram expandidas, a partir do século XVIII, para as Américas do Norte e do Sul através de colonizadores ingleses e franceses (respectivamente). Logo o estado norte-americano da Carolina do Sul e a Jamaica passaram a liderar a produção de índigo.

Enquanto isso, dentro da África, a técnica ancestral de coloração que já tinha sido bastante difundida passa a ser revisitada. Os tuaregues, nômades do deserto do Saara que utilizavam o corante para tingir trajes e turbantes, foram apelidados de “homens azuis”.

No Japão, o anil teve um papel fundamental durante o período Edo (1603-1868), quando o uso da seda foi proibido e os xoguns (militares selecionados diretamente pelo imperador) passaram a importar algodão. O plantio veio em seguida.

Para criar uma identidade moderna para um país de grandeza imperial, os governantes experimentaram, pela primeira vez, tingir quimonos de azul. Desejo urgente: a veste, por lembrar mar e natureza, logo se tornou a roupa tradicional de verão daquele país.

No Brasil, a indigofera já era velha conhecida dos índios, mas parece que o governador da Bahia não sabia desta informação…

Tudo culpa dos registros oficiais de 1689: os documentos comprovam que o político em questão importou sementes anileiras das Índias. Como, em menos de cem anos, já estávamos exportando pau-brasil, sangue de drago e anil para tinturarias europeias, acreditamos que este índigo que ganhou o mundo foi o importado das Índias, e não o que havia originalmente em terras brasilis.

O mercado português, entretanto, foi o que mais se beneficiou da produção brasileira até o final do século XVIII. Entre 1800 e 1900, a Índia voltou a liderar, tendo exportado, até o final do século XIX, 19 mil toneladas para a Inglaterra.

Mas a louca corrida pelo corante azul iria virar em 1880, quando um químico alemão de extenso nome entrou no jogo. Foi Johann Friedrich Wilhelm Adolf von Baeyer (ufa!) o responsável por definir a síntese química do anil.

“Em 1905, a BASF (sigla para Badische Aniline Soda Fabrik) transformou a descoberta em produto, introduzindo no mercado o primeiro índigo sintético.”

Menos de 10 anos depois, o índigo natural já havia sido totalmente substituído pelo componente artificial. E vocês sabem bem o que acontece quando uma concorrência tão feroz aparece: a produção artesanal despencou, a técnica ficou no passado e a história que existia uma planta que deixava o tecido azul quase virou uma lenda urbana.

Deep blue

O impacto social resultante dessa substituição foi enorme. Na Índia, por exemplo, o estrago foi tão grande a ponto de fazer Mahatma Gandhi, liderança local naquela época, atravessar o país para avaliar o tamanho do prejuízo e consolar os trabalhadores rurais que ficaram em dificuldades.

Ainda hoje o índigo é cultivado naquela região do continente, mas em quantidades bem reduzidas. Como também em El Salvador e na Guatemala, no sudoeste da Ásia e no noroeste da África. É destinado, em sua maior parte, à tecelagem artesanal regional.

Apenas uma pequena parte é comercializada para exportação. Há uma demanda europeia crescente, ainda tímida, consequência da retomada do interesse pelo índigo natural.

Esse movimento também é observado no mercado norte-americano, frutos da tendência sócio-ambiental do mercado de moda. Nesta seara, o corante vegetal significa, quem diria, um “novo caminho”; talvez a mais forte alternativa para que os derivados de petróleo comecem a sair de cena.

Nos Estados Unidos, há estudos dedicados à produzir uma tintura natural por meio da manipulação de bactérias

É cedo, no entanto, avaliar se haverá impacto desses estudos na indústria. O que podemos dizer é que técnicas de tingimento que buscam a neutralização ou a drástica redução do impacto ambiental ainda necessitam de maturação e evolução tecnológicas para serem amplamente implementadas

Já os benefícios trazidos por essa mudança de comportamento são reais e urgentes. Alguém aí ainda quer consumir produtos químicos? Alô, alô marciano: estamos em 2018! É bom você rever os seus hábitos antes que o planeta reveja-os para você. 🌎👩🏻‍💻💚